01 junho 2011

Carta do superior geral para a Festa do Coração de Jesus - 2011


Livres e solidários na gestão dos bens


Introdução
No seu cuidado e providência, Deus concede-nos os bens necessários para a vida e para a missão. Acolher com gratidão estes bens e utilizá-los conforme o projeto do seu doador é um elemento fundamental da nossa vida, que requer reflexão permanente, controlo a nível pessoal e comunitário, para poder viver o nosso voto de pobreza na alegria fraterna e na solidariedade com os mais carentes. Continuando a reflexão sobre o caminho do coração, da carta do ano passado, deixamo-nos guiar pelas orientações da Congregação sobre este tema, que encontramos especialmente na nossa Regra de Vida, nas Normas para a Administração dos Bens (NAB), nos documentos do último Capítulo Geral e da Conferência Geral de Recife sobre a Economia e o Reino de Deus, do ano 2000 .
A economia é uma dimensão fundamental na vida de toda a pessoa. Não podemos ignorá-la ou enfrentá-la superficialmente, como se se tratasse de uma realidade independente das nossas opções fundamentais, de crentes e de consagrados. A atividade econômica faz parte do projeto de Deus, que confiou a terra ao homem para a trabalhar e guardar (cf. Gn 2,15), tornando-se assim o continuador da sua obra criadora. Do esforço para ganhar o pão com o suor do seu rosto (cf. Gn 3,19), que encontra uma sua explicitação na atividade econômica corretamente ordenada, depende, em grande parte, a felicidade, a justiça e a paz das pessoas, assim como das famílias, das comunidades e de toda a sociedade. Por isso, na oração de Jesus, a primeira súplica concreta para a existência humana, apresentada ao Pai do céu, é que nos dê o nosso pão de cada dia (cf. Mt 6,11).
Também na nossa vida de consagrados, a relação com os bens joga um papel de primeiro plano. Quem se lança no seguimento de Cristo amadurece uma atitude de liberdade, que se torna a base de uma nova relação entre os membros da comunidade reunida em seu nome. Com Ele, aprendemos a viver como filhos de Deus, partilhando com os irmãos e irmãs os bens que recebemos do Pai do céu. O voto de pobreza não nos tira a alegria e o esforço de ganhar o pão para nós e para os nossos irmãos e de colaborar no bem de toda a humanidade com generosa solidariedade. Ele leva-nos a olhar e a usar os bens de modo novo, seguindo o convite de Jesus que, sendo rico, se fez pobre por nós, para nos enriquecer pela sua pobreza (2 Co 8,9).


1. Gratuitamente recebestes… Atentos ao clamor dos pobres

1.1 Participantes no drama e na esperança do nosso tempo

A economia divina é muito diferente da economia humana, que experimentamos na vida quotidiana, no mundo dos negócios e na gestão dos recursos do planeta. A percepção desta distinção permite-nos olhar com interesse e empenho a atividade econômica e, ao mesmo tempo, ter em relação a ela um olhar livre e crítico, guiado pelo projeto de criação de Deus e pelo espírito do Evangelho.
As crises periódicas e crescentes da economia mundial, de que experimentamos as dramáticas consequências, evidenciam o resultado catastrófico para milhões de pessoas, para as instituições e as nações, de uma atividade econômica separada da dimensão ética e solidária, como sublinhou o Papa Bento XVI nas suas recentes encíclicas . Sem referências éticas e transcendentes, o homem empreendedor torna-se facilmente presa da avareza, da ganância e do egoísmo que destroem as bases da vida em comum. Encontramo-nos, assim, diante do paradoxo de uma sociedade que é capaz de impressionantes realizações científicas e tecnológicas, mas que cria, ao mesmo tempo, multidões de miseráveis e excluídos. Além disso, compromete o seu futuro com uma desconsiderada exploração dos recursos do planeta. A atividade econômica, quando perde a referência à sua finalidade de servir o projeto integrado da criação e da humanização solidária, converte-se numa máquina enlouquecida, propulsionada apenas pela sua enorme força interna, sem outro objetivo que não seja alimentar a corrida desenfreada ao lucro, à exploração e ao domínio.
Comprometendo-nos a viver a opção da pobreza evangélica, somos particularmente chamados à solidariedade com aqueles que são excluídos dos bens que Deus criou para todos. Escutar o clamor e o grito dos pobres deve levar-nos a rever o nosso modo de vida e a participar no esforço de toda a sociedade humana para erradicar a pobreza. Somos solicitados a oferecer a todos condições dignas de vida e a garantir um equilibrado sentido de respeito para com a criação, que permita a vida às gerações futuras.
Estamos convencidos de que este objetivo não pode ser alcançado apenas por meio de manobras tecnológicas e econômicas, mas começa na mudança do coração, que gera novas relações entre as pessoas. Como membros desta sociedade, sentimos a necessidade de purificar as nossas atitudes por meio da liberdade do coração, do estilo de vida sóbrio, da partilha dos bens e da solidariedade com os mais pobres, colaborando para eliminar a injustiça e assumindo um modo de vida que possa ser profecia do Reino de Deus.


1.2 Fiéis às nossas raízes carismáticas

Seguindo os passos do nosso Fundador descobrimos que a sensibilidade às consequências sociais da econômica é uma dimensão estruturante da nossa vocação na Igreja. Atraído e modelado pelo Coração de Cristo, expressão do imenso amor de Deus pelo homem, o P. Dehon desenvolve uma profunda comunhão com o Senhor, que se une a uma forte sensibilidade pelo compromisso social. Nele, estes dois aspectos estão intrinsecamente ligados. Por isso teve de sofrer críticas e acusações de muitos, mesmo no interior da Congregação, que consideravam as suas atividades sociais uma traição à dimensão sobretudo mística e contemplativa, que tradicionalmente caracterizavam a espiritualidade do Coração de Jesus. Para o P. Dehon, "é preciso que o culto do Coração de Jesus comece na vida mística das almas para depois descer e penetrar na vida social dos povos" . O amor contemplado e vivido no Coração de Cristo torna-se naturalmente uma força que recria a pessoa, mas também o conjunto das suas relações, como energia de transformação social: "a caridade de Cristo deve expandir-se como nova energia capaz de renovar a sociedade" .
Esta profunda e fecunda ligação entre espiritualidade e empenho social é uma constante na vida e na missão do P. Dehon. Encontramo-la nas obras diretamente dirigidas aos mais carentes e às vítimas do sistema econômico explorador dos inícios da industrialização. Temos sinais concretos na sua participação ativa no movimento de transformação das mentalidades e das estruturas políticas e econômicas, que estão na base destes problemas. O colégio de S. João e o oratório para a formação dos jovens, as numerosas publicações periódicas e escritos sociais, a difusão das encíclicas sociais e a participação nos congressos e movimentos sociopolíticos do seu tempo testemunham claramente as consequências sociais e políticas que o Fundador extrai da profunda contemplação do amor do Coração de Cristo. Na lógica unitária do caminho do coração, não é possível separar o sagrado do profano, o espiritual do material. A nossa fé em Deus e a transformação realizada em nós pelo seu Espírito são chamadas a penetrar todos os aspectos da vida pessoal e social. A economia humana não pode ser mantida separada da economia de Deus.
É à luz desta permeação do amor, simbolizado no Coração de Cristo, que somos chamados a pensar as nossas relações com os bens, seja no âmbito interno das nossas comunidades seja na Congregação. As nossas necessidades, os projetos econômicos e a partilha dos bens devem ter bem presente a situação do mundo em que nos encontramos e orientar-se segundo o projeto de Deus. É preciso pô-los ao serviço da construção da fraternidade, da justiça e da dignidade que Ele quer para cada homem e mulher nesta terra.



2. Não acumuleis tesouros … Um coração de pobre
2.1 Abertos ao tesouro do amor do Pai

A vida econômica dos nossos dias, com as suas potencialidades e dificuldades, constitui um campo fundamental de confronto e discernimento para a nossa fé e o nosso empenho como pessoas e como comunidade. O próprio Jesus se confrontou com esta realidade essencial da vida humana. Ele conhecia o cansaço do trabalho do carpinteiro, do semeador e das donas de casa; o drama de perder uma preciosa moeda ou uma ovelha e a alegria de as reencontrar; a esperança e a exultação da colheita e a neurótica e vã sede de acumular riquezas; o precioso trabalho dos administradores honestos e a corrupção das administrações e dos encarregados dos impostos; o genuíno dom da moedinha de uma viúva e a venalidade blasfema daqueles que usam as coisas santas para enriquecer; o generoso dom dos pães e peixes de um rapazito e a insensibilidade de um rico diante da fome de um mendigo à sua porta; a preocupação por encontrar alimento para a multidão que o seguia e a confiança incondicional na bondade providente do Pai que dá de comer aos pássaros do céu… Sobre tudo isto, lança um olhar crítico e livre, fruto da sua íntima comunhão com o Pai e Senhor do universo e da sua proposta de uma nova ordem de relações entre os homens sobre a terra.
Jesus não tem um discurso especificamente dedicado à economia, mas vê sempre os bens deste mundo em relação com as pessoas e com o projeto do Pai. De fato, esta é a primeira mudança de perspectiva que nos é sugerida: a economia não é fim em si mesma. Deve ser reconduzida à sua original finalidade de serviço das pessoas, segundo o projeto criador de Deus. As narrativas da multiplicação dos pães tornam clara esta dupla referência nos gestos de Jesus. Ele toma o pão, bendiz a Deus, erguendo os olhos ao céu, e depois fá-lo distribuir aos comensais (cf. Mt 14,19). Erguer os olhos ao céu e bendizer manifestam o jubiloso reconhecimento de que o pão é dom de Deus, colocado nas nossas mãos. Mais ainda, representa a consciente gratidão pelo amor do Pai e Criador que provê o alimento para todas as suas criaturas. Partindo deste olhar à bondade providente de Deus, distribuir torna-se uma atitude natural e coerente com a origem e a finalidade do pão. Quem partilha não se vê como dono do pão, mas como alguém que está ao serviço de Deus para dotar a cada um dos bens criados por Ele para o bem de todos. Estes gestos contêm o início da revolução social do Evangelho. O uso desta mesma formulação nas narrativas da eucaristia significa que a partilha fraterna dos bens é expressão elementar de uma atitude global da vida. Deste modo, ela pode ser concebida como jubilosa confiança na bondade e no poder de Deus e como generoso dom aos outros, para multiplicar o pão e a vida.
À luz disto compreende-se a proclamação da bem-aventurança dos pobres em espírito, que dá o tom e, de certo modo, contém o discurso da montanha (cf. Mt 5,1ss). Com ele, Jesus não demonstra qualquer visão cética sobre os bens criados por Deus. Não se trata também de um conselho de resignação aos pobres ou de uma rancorosa desforra contra os ricos. Proclama, sim, felizes aqueles que conscientemente (a partir do seu espírito/coração) compreenderam e aceitaram na sua vida o poder e o amor do Pai do céu. Ele é a origem não só dos necessários bens deste mundo, mas de todos os outros bens essenciais à plena vida e felicidade dos seus filhos e filhas.
Uma perspectiva evangélica sobre o mundo econômico a nível pessoal, familiar, comunitário ou social, não pode prescindir deste olhar sobre a totalidade e a transcendência do projeto de Deus para cada pessoa e para toda a humanidade. Conhecemos bem a alternativa ao projeto da bem-aventurança dos pobres, filhos/filhas de Deus: Sem a presença do verdadeiro Senhor do universo, outros senhores se apresentam, mas não têm a força, a sabedoria e a bondade do seu poder. Sentindo o peso da própria finitude, eles procuram apoderar-se dos bens do mundo, para aceder a um ilusório poder que não possuem. À sua imagem, propõem a bem-aventurança da posse, do prazer e do poder. Nas suas mãos, os bens e as riquezas do mundo, além de não darem a felicidade que as pessoas esperam em seu coração, muitas vezes tornam-se objeto de disputa e de violência. São utilizados como meios de corrupção, ostentação e força, desviando o seu fundamental objetivo de promover uma vida digna das pessoas e destruindo o equilíbrio ecológico que permite a vida no nosso planeta.
Dentro de cada um de nós encontra-se o instinto de posse e domínio e o germe da experiência filial de Deus. Como todos os seres vivos, também nós sentimos o impulso natural pela sobrevivência e continuidade da espécie. Como seres racionais, equipados de ingentes possibilidades científicas e técnicas, damo-nos conta das nossas formidáveis capacidades de desenvolvimento e de destruição. Conhecemos também as enormes responsabilidades de as gerir de modo a evitar a catástrofe e assegurar um futuro comum. É nesta humanidade que se insere a bem-aventurança dos pobres, promovidos a filhos de Deus no Espírito. Abrindo os horizontes do destino humano à omnipotência e ao amor eterno de Deus, a existência humana e os meios que a tornam possível aparecem redimensionados e revalorizados.
A experiência desta bem-aventurança filial não é conatural ao nosso ser humano mas é dom do Espírito. Por isso, precisamos de um caminho de educação do coração, à luz do Coração de Cristo. Os que o seguem são capazes de usar com alegria e gratidão os bens de Deus sem nunca se tornarem escravos deles; de considerar-se administradores do Criador para que todos possam beneficiar dos seus dons; de nunca se perder entre as migalhas de felicidade encontradas ao longo do caminho, mas de utilizar todos os meios à disposição para alcançar, com os irmãos e as irmãs, a casa que o Pai, no seu amor, preparou para eles.
O próprio Jesus viveu esta relação livre, humana e jubilosa com os bens da criação e a propôs aos que aderem ao seu Evangelho, segundo a condição de vida de cada um. No interior da Igreja, a vida consagrada procura acolher este convite, como sinal profético do mundo novo no Espírito. Vive-o como base de novas relações de solidariedade e de partilha entre as pessoas, como participação no projeto criador e providente de Deus e testemunho da prioridade do seu Reino, que leva consigo todos os outros bens. Deste modo, os/as consagrados/as procuram viver e testemunhar a liberdade, a alegria e a solidariedade fraterna em relação aos bens deste mundo, que o próprio Jesus propõe com a sua palavra e o seu exemplo.


2.2 Chamados à liberdade e à alegria de um coração solidário

A bem-aventurança dos pobres filhos de Deus é fonte de uma grande liberdade e alegria existenciais. Cada um dos que se põem a seguir a Cristo são chamados a recebê-las como dom e a desenvolvê-las conforme a sua condição de vida, quer no âmbito de uma família como no de uma comunidade religiosa ou em qualquer serviço aos outros. Esta alegre liberdade cresce na medida em que se é capaz de se despojar da dependência dos bens e do poder, renunciando a si mesmos até ao dom da própria vida. Ao apresentar-se, aos que pediam para segui-lo, como alguém que "não tem onde reclinar a cabeça" (Lc 9,58), Jesus torna-se modelo e caminho desta emancipação dos filhos de Deus. Um tal despojamento não provoca o vazio existencial, a aniquilação da pessoa ou o apagamento da energia criativa do desejo. Cria pelo contrário o espaço onde se vive uma paixão nova, uma vida à sombra da mão do Pai. Gera um novo projeto que absorve todas as energias e recursos: o Reino de Deus.
Na vida consagrada, somos chamados a viver de modo especial este convite à alegria e à liberdade. Não se trata, porém, da atitude leviana e despreocupada de quem garantiu um teto com cama e mesa, uma vida cômoda e tranquila, fechada às necessidades dos outros. Uma tal existência conduziria apenas ao tédio preguiçoso e estéril, negação do projeto do Evangelho. Os frutos da pobreza evangélica nascem, pelo contrário, no terreno de uma vida simples, conforme ao ambiente em que se vive; na libertação pessoal e comunitária do que não é necessário à vida e à missão; na renúncia aos privilégios decorrentes dos bens e do poder; no desapego em relação aos projetos, carreiras, instrumentos, lugares e pessoas, que permite ir para onde chamam as urgências do Reino. Este necessário desapego permite libertar meios, tempo e energias para consagrar à escuta de Deus, à humanização das relações à nossa volta, à ativa colaboração na construção de um mundo novo segundo o projeto do Evangelho.
Como ilustração deste caminho podemos referir-nos a duas figuras típicas e bem conhecidas. Negativamente, o jovem rico do Evangelho (cf. Mc 10,17ss) é imagem de uma pessoa séria, que tinha um sonho e aspirava a uma vida melhor. Vai-se embora triste, porque não é capaz de se desapegar das suas muitas riquezas. Positivamente, a escolha radical de Francisco de Assis continua sempre a falar à Igreja. Tendo de escolher entre a herança do patrimônio familiar e o chamamento à pobreza de Cristo, despojou-se publicamente. Entregou as vestes ao pai e disse: agora posso dizer verdadeiramente: "Pai nosso que estais no céu!"


2.3 Operosos administradores dos dons de Deus

Segundo a lógica das bem-aventuranças, a liberdade em relação aos bens está ao serviço da partilha, tal como o espírito de filiação, gera a fraternidade. Por isso, o caminho da pobreza evangélica não causa miséria, mas produz abundância, comunhão, paz e verdadeiro desenvolvimento. Normalmente, as lutas pelo controle dos bens, geram tensão, violência e destruição. Desencadeiam o instinto de posse pessoal ou de grupo e acabam por criar novas classes de ricos e de excluídos. A revolução do Evangelho, pelo contrário, pretende multiplicar o pão a partir da mudança do coração que leva à partilha generosa, à transformação das estruturas que provocam a exclusão e à criação de comunidades solidárias.
À luz disto, se compreende que a opção pela pobreza evangélica na vida consagrada não dispensa ninguém do dever de contribuir, conforme as suas possibilidades, para as necessidades da comunidade e de quantos vivem na penúria. Deus espera que cada um desenvolva e faça frutificar o que recebeu, como bom administrador, não considerando os bens como coisa exclusivamente sua. Ele apresenta-se como Senhor que se alegra com a criatividade e a iniciativa dos seus servos e não pode suportar aqueles que, por medo, egoísmo ou preguiça, escondem ou tornam estéreis os dons que receberam para desenvolver (cf. Lc 19,12ss). Neste caminho, mais do que a quantidade dos bens, conta a nova atitude de vida. A solução para a fome da multidão começa com o pequeno mas generoso e total dom de um rapazito (cf. Jo 6,9), e a insignificante moedinha de uma pobre viúva – que representa todos os seus recursos de vida – vale mais do que o ostensivo contributo de muitos ricos (cf. Mc 12,41ss).
Estas figuras evangélicas ilustram bem a liberdade generosa e fraterna em relação aos bens. Caracterizam uma existência inteiramente consagrada a Deus para serviço dos outros, em todas as etapas da vida. Os nossos confrades idosos são chamados a viver plenamente a sua doação, mesmo quando as forças possam impedir a participação em todas as dimensões das atividades comunitárias. Eles não são um peso a suportar, mas expressão viva daquela dedicação total ao Reino, que nos leva a consumir-nos por amor a Cristo e aos irmãos. Este é o maior tesouro que podemos oferecer. Eles continuam a contribuir para a vida e para a missão dos irmãos, com a fidelidade, a oração e, muitas vezes, com o que recebem das suas pensões ou serviços e que generosamente põem à disposição, para que não faltem à comunidade e ao mundo, o pão, a alegria, a justiça e a paz.


3. Tinham tudo em comum … A partilha dos bens na comunidade
3.1 Prontos a passar do eu ao nós e do meu ao nosso

Inspirada na vida do Senhor Jesus, a partilha dos bens na Congregação assume o modelo das primeiras comunidades cristãs. Segundo o testemunho dos Atos dos Apóstolos, elas tinham um só coração e uma só alma que se expressava também no possuir os bens em comum. Assim, não havia pobres entre eles e criavam uma nova relação de comunhão e solidariedade que tornava credível o Evangelho anunciado pelos Apóstolos (cf. At 4,32ss).
Pôr tudo à disposição da comunidade nasce da consciência de ter recebido tudo de Deus, por meio do próprio trabalho ou do dom generoso dos outros irmãos e irmãs. Esta atitude fundamental cria um novo sentido de comunhão, em que cada um se entrega nas mãos dos irmãos, tomando contemporaneamente conta deles. Deste modo, os bens, como também o tempo, as capacidades e o projeto de vida, não são só meus, mas tornam-se nossos. Evidentemente que uma tal relação só se compreende num espírito de confiança e de entendimento sobre os valores comuns. Provém de considerar-nos juntos como discípulos no seguimento do Senhor Jesus. Sem esta libertação dos bens e sem a sua partilha, não tem sentido falar de vida religiosa e de comunidade fraterna.
Por esta razão se compreende a gravidade da falsidade na gestão dos bens na comunidade, que o livro dos Atos torna bem explícita na história de Ananias e Safira (cf. At 5,1ss). Não se trata só de fraude e de exploração econômica, em prejuízo dos outros irmãos, mas de traição da confiança; de falta de honestidade e verdade fundamentais; de atentado que destrói as raízes da comunhão; de negação radical da opção evangélica expressa na profissão religiosa.
Os princípios fundamentais da partilha dos bens entre nós são muito simples e baseiam-se na liberdade, alegria e solidariedade que provêm de um coração grato a Deus pelos seus dons e aberto aos irmãos para construir um novo estilo de relações, inspirados no seguimento de Cristo.
Para cada um de nós, isto manifesta-se concretamente em:
• manter um estilo de vida simples e sóbrio, sinal de liberdade, generosidade e solidariedade, a exemplo de Cristo;
• entregar efetivamente à comunidade tudo quanto possuímos, ganhamos ou nos é oferecido, com verdade, transparência e fraternidade;
• depender da comunidade em tudo quanto é necessário à própria vida e missão, tendo em conta o ambiente onde se vive e o trabalho que se desenvolve;
• colaborar ativamente, conforme a própria condição e função, para procurar e gerir os bens que pertencem a todos.
A caixa comum não é, pois, uma opção para algumas Entidades ou para os mais generosos, mas uma das bases essenciais à Vida Religiosa no nosso Instituto. Nela não se lança apenas parte de quanto possuímos ou recebemos, mas absolutamente tudo, com honestidade e transparência. Da caixa comum recebemos quanto é preciso, conforme as necessidades de cada um e as exigências do próprio ministério, procurando observar um estilo de vida simples e livre. Nela se incluem os projetos promovidos pela comunidade, ainda que financiados por outros, de modo que a partilha comunitária esteja sempre presente no nosso modo de projetar e realizar a missão.
A Caixa comum realiza-se a diversos níveis na vida da Congregação.
• Ela tem a primeira e fundamental realização a nível de cada comunidade local. É aí que tem lugar a efetiva partilha dos bens entre os irmãos e a participação de todos nas decisões, sob a direcção do Superior e a gestão do Ecónomo.
• Exprime-se, depois, igualmente entre as diferentes comunidades de cada Entidade, para tornar possível a comunhão e o projeto apostólico comum. Embora respeitando a gestão local dentro dos limites e normas estabelecidas, os bens das comunidades devem ser considerados em conjunto, sob a direcção do Superior da Entidade, de modo que não sobre a alguns aquilo que falta aos outros.
• A solidariedade desta partilha abre-se depois a toda a Congregação, como expressão da comunhão que nos une para além das nacionalidades e das culturas, como participação na comum missão universal e como sensibilidade para com os mais carenciados da humanidade.
As Normas para a Administração dos Bens (NAB) querem especificar estes princípios e orientar cada um de nós e as nossas comunidades no caminho da partilha dos bens, tendo em conta o contexto cada vez mais complexo da vida econômica do nosso tempo. Conhecê-las e observá-las constitui um dever para todos. Elas estabelecem bases importantes para a justiça, a solidariedade e a comunhão entre nós. Entendem evitar desvios e prejuízos, e tornar mais eficiente e transparente a caridade que a todos estes processos deve presidir.


3.2 Co-responsáveis na procura e na gestão dos bens

Na lógica da criação, do dom de Cristo e da nossa consagração, a questão dos bens e das atividades econômicas nunca é um assunto privado, mas tem sempre uma dimensão relacional que implica outras pessoas. Por isso, também a gestão dos bens postos em comum nunca é um assunto pessoal, mas deve envolver a comunidade inteira, tanto na procura dos bens, como no discernimento e nas decisões a tomar na sua gestão.
Esta co-responsabilidade manifesta-se de diversos modos:
• no consciente esforço de cada um em procurar os recursos necessários e em cuidar e usar responsavelmente os meios à disposição de todos;
• na apresentação correta à comunidade dos balanços das próprias receitas e despesas;
• na participação de toda a comunidade no discernimento e na programação econômica, segundo o grau de integração e a responsabilidade de cada um;
• no papel dos conselhos locais e das Entidades, como também das Comissões Econômicas, que devem sempre ser ouvidas antes de tomar decisões em campo econômico.
No discernimento em campo econômico, todos devem ter em conta, não só as condições financeiras da própria comunidade ou Entidade, mas também aquilo que é possível permitir-se com os recursos disponíveis. A nível pessoal e comunitário, é preciso ter sempre presente o estilo de vida simples ligado à nossa opção evangélica, para corresponder à missão de toda a Congregação. E deve sempre ser escutado o grito dos pobres, vizinhos ou distantes.


3.3 Atentos administradores dos bens da comunidade

Na Congregação, a gestão dos bens é confiada aos Ecônomos, sob a orientação dos Superiores. Eles, porém, não são os donos dos bens, mas administram o que pertence a toda a comunidade ou Entidade. Por isso, estas devem ser sempre ouvidas, nos seus órgãos competentes, em ordem às orientações que se referem à vida ordinária e nas decisões extraordinárias. A fraterna complementaridade das ofícios do Superior e do Ecônomo, no respeito pelas funções de cada um e pela voz de toda a comunidade, é fundamental para a harmonia e a fidelidade solidária de todos os confrades.
O Ecônomo ocupa-se da gestão da vida econômica da comunidade, Entidade ou Congregação, de acordo as nossas finalidades e normas. Mantém com exatidão e transparência a contabilidade, apresentando balanços e orçamentos. É-lhe confiada a administração direta dos recursos. Deve, todavia recordar-se de que, para as orientações e decisões, depende do Superior, que deve consultar ou pedir o consentimento do seu conselho. Particularmente no serviço de Ecônomo se manifesta a imagem do irmão atento e diligente, que administra os bens de Deus, Pai Providente para com todos, de modo que a ninguém falte o necessário. O seu não é um serviço secundário, mas um elemento essencial à vida e à missão de cada comunidade. Além de prover ao necessário para a vida dos confrades, deve ajudá-los a viver o espírito de sobriedade, que caracterizam a nossa relação com as realidades econômicas.
Neste tempo, as questões de natureza econômica exigem cada vez mais competência e preparação específica. Está a fazer-se um grande esforço para formar pessoas para esse serviço. O curso para Ecônomos, previsto para 2012, é um exemplo. Estamos, porém, conscientes da necessidade de intensificar este processo de especialização dos nossos confrades, tanto a nível das Entidades como de toda a Congregação. Paralelamente, sente-se a necessidade de recorrer ao contributo específico de profissionais neste campo, sobretudo quando se trata de administrar instituições que dependem de nós ou de corresponder às normas específicas de cada país.
O desafio da formação, que assumimos como uma das grandes prioridades da Congregação, tem um espaço especial no campo econômico e deve ser assumido muito seriamente por cada uma das nossas Entidades. Ele compreende a aquisição de capacidades técnicas específicas, mas também um aprofundamento humano, social e espiritual. Este esforço formativo pode ajudar a compreender os problemas do nosso tempo e a viver, a nível individual e comunitário, a liberdade, a solidariedade e a comunhão, que provêm do nosso voto de pobreza.


Conclusão

Aproximando-nos da festa do Coração de Jesus, queremos aprender d´Ele, de modo especial, o amor que se fez solidariedade com a humanidade, oferecendo toda a sua vida aos homens, como sinal do amor do Pai: “Ele, sendo rico, fez-se pobre por vós, para vos enriquecer pela sua pobreza” (2 Co 8,9).
É d´Ele que aprendemos o estilo de vida simples e livre, fruto da confiança na liberalidade e na bondade do Pai do céu, que cria entre nós comunhão e fraternidade.
Transformados pelo Seu Espírito, ponhamos em comum os dons de Deus, para prover à vida e missão dos nossos confrades e poder abrir o coração aos mais carentes.
No seu seguimento, sejamos ativamente solidários com aqueles que procuram reparar a injustiça e a exploração dos mais fracos, multiplicar o pão para os famintos e promover um desenvolvimento harmônico que preserve, para as gerações futuras, a maravilhosa obra de Deus Criador.
Desejamos-vos uma boa festa do Coração de Jesus!


P. José Ornelas Carvalho
Superior Geral SCJ
e o seu Conselho

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