26 maio 2008

Entidades divulgam nota sobre incidente no encontro "Xingu vivo para sempre"


A Prelazia do Xingu (PA), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e o Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira (MMTA-CC) divulgaram nota na sexta-feira, 23, lamentando as declarações do delegado da Polícia Federal, Eduardo Jorge, considerando membros da organização do encontro Xingu vivo para sempre como responsáveis pela compra de facões para os índios. O encontro, realizado de 19 a 23 de maio, em Altamira (PA), reuniu representantes de comunidades indígenas, ribeirinhas, agricultores e movimentos sociais para discutir os projetos hidrelétricos planejados para a Bacia do Rio Xingu, entre os quais a usina hidrelétrica Belo Monte. No dia 20, o representante da Eletrobras, engenheiro Paulo Fernando Rezende foi ferido com um facão quando apresentava o projeto da hidrelétrica.
Segundo a nota, a afirmação do delegado “inspirou a manchete do Jornal Liberal “Padre e CIMI armaram índios” e “Prelazia comprou facões, afirma PF” manchete do Jornal Diário do Pará, bem como as demais notícias veiculadas pelos canais de televisão”. As declarações “revelam postura precipitada e equivocada, que destoa da realidade dos fatos e se afasta das circunstâncias e dos antecedentes em que o lamentável episódio ocorreu”.


Trechos da Nota:

"Os facões além de serem instrumentos de trabalho das índias Kaiapó, responsáveis pela agricultura de subsistência nas aldeias, constituem-se, na organização social e cultural do Povo Kaiapó em acessórios imprescindíveis das suas indumentárias assim como a borduna é indispensável aos homens, posto que nestas ocasiões os povos os exibem, em geral concomitante com as danças e a pintura, para afirmar suas identidades e convicções."

"O atendimento ao pedido de liderança do Povo Kaiapó, para a aquisição de três facões, conhecidos como “terçados”, e que na cultura deste povo indígena caracteriza-se como instrumentos de trabalho e de defesa das índias, que também são, como os homens “guerreiras” esse pedido específico, baseou-se no respeito à cultura e identidade desses povos."

"As análises que buscam incriminar a aquisição dos três facões em favor de lideranças e índias do Povo Kaiapó não têm fundamento na realidade dos fatos e qualquer amparo na cultura e na organização social deste povo indígena."

"A reação dos índios contra as afirmações desrespeitosas e provocativas do engenheiro indicado pela Eletronorte e pela Eletrobrás para participar do Encontro foi imprevisível. A reação de alguns índios decorreu objetivamente por terem se sentido agredidos e desrespeitados. Relacionar a compra dos três facões e do sino com este acontecimento é algo sem fundamento lógico e, reitere-se sem qualquer amparo na realidade dos fatos.
As entidades e movimentos promotores do ENCONTRO “XINGU VIVO PARA SEMPRE” reafirmam seu compromisso com as causas dos povos indígenas, com suas reivindicações, e juntamente com os ribeirinhos, trabalhadores do campo, juventude, povos atingidos pelas barragens se posicionam, mais uma vez, contra a construção da barragem Usina Hidrelétrica de Belo Monte."


Fonte: CNBB / CIMI




Reportagem do Fantástico (TV Globo)

Durante dois dias nossa equipe de reportagem esperou pelo grupo de índios que voltava do encontro em Altamira, Pará. Eles estavam reunidos com representantes do governo e da Eletrobrás para discutir a instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu.
Acompanhados por lideranças indígenas, fomos até a sede da Funai na cidade de Redenção, 700 quilômetros ao sul de Belém, para o encontro com os kayapós, que são conhecidos como um povo guerreiro. Ao todo, eles são mais de sete mil, e vivem no sul do Pará e no norte de Mato Grosso.
Os índios surgem em fila e fazem um ritual: chorar e abraçar a família. As mulheres estão pintadas. Trazem facões, parte da tradição da tribo. Formam um círculo, cantam e dançam. Entre elas, Tuíra. Tuíra é testemunha de que a tensão provocada pela proposta de construção da usina é antiga. Ela é a índia que, em 1989, encostou um facão no rosto do engenheiro José Antonio Muniz Lopes, hoje o presidente da Eletrobrás.
O projeto atual da hidrelétrica, que ainda está em fase de licenciamento ambiental, prevê a inundação de 440 quilômetros quadrados do Rio Xingu, no sudoeste do Pará. A hidrelétrica vai ser a segunda maior a atender os brasileiros. De acordo com o PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, a obra deve começar em 2010. Mas a Constituição exige que os índios sejam consultados.
Na língua kaiapó, a índia Tuíra pede que o governo Lula ouça os índios, que não querem a barragem.
Também conversamos com Ireô, o índio que aparece comprando facões na véspera do ataque.
Eu entrei, procurei o facão que eu quero, de 20 polegadas, 18 polegadas. Eu quero, escolhi, comprei pra completar. Entreguei pra índia pra defender na guerra, no canto, no nosso direito”, diz Ireô, líder indígena.
José Cleanton Ribeiro, coordenador do Conselho Indigenista Missionário da região do Xingu, quando perguntado pela equipe do programa qual seria a explicação sobre o que aconteceu e o ambiente em que as coisas aconteceram, respondeu: "O que aconteceu em Altamira não é de hoje, nem de manhã, de agora. Estamos procurando nosso direito, defendendo nosso filho, neto e mato. O governo tem que saber, tem que lembrar do índio, o primeiro habitante é o índio. O governo quer pensar que é todo, querem passar por Deus, querem as coisas todas dele. E mandando fazer a barragem".
Ireô confirma que foi um dos que agrediram o engenheiro. Mas justifica a agressão.
Esse engenheiro, ele chegou, foi, explicou muita coisa diferente, muito mal. Ele agrediu os kayapós, ele agrediu o pessoal ali no evento. Engenheiro falou coisa mal demais e nós não entendeu. Eu peguei na camisa dele, rasguei a camisa, eu sabendo que ele tava muito mal, falando da Funai, falando nos índios, índio não é assim, que temos que aceitar a barragem. Eu briguei, tirei a camisa”.
Ireô também nega que os kayapós tenham agido por influência de pessoas ou organizações.
"Não tem índio manipulado, não tem indio falso ali na reunião não. Foi kayapó, foi pessoal do Xingu, nós pessoalmente lá. Não fomos manipulados não”.
A Polícia Federal está investigando o ataque e vai mandar o vídeo para a perícia. Pela lei brasileira, índios que já estejam habituados ao convívio com o restante da sociedade não são mais imunes às leis.
De acordo com o delegado que coordena a investigação, ninguém foi indiciado ainda. É preciso esclarecer uma dúvida.
"Se o facão faz parte da cultura do indígena kayapó ou se é um instrumento que, na verdade, serve para os kayapós em momentos como esse intimidar ou ameaçar, constranger aqueles que divergem da postura que eles adotam", declara Jorge Eduardo Oliveira, delegado da Polícia Federal.
Sobre a possibilidade de serem indiciados pela agressão ao engenheiro, o índio diz não temer a lei do homem branco.
Quero ver ele mandar prender nós, índio kayapó de todos lugares”.
E avisa: o ataque ao engenheiro pode não ser o último se o projeto de Belo Monte continuar.
O governo brasileiro está criando guerra mundial, primeiro guerra mundial aqui no Brasil, vai acontecer. Quer fazer barragem , nós estamos indo pra brigar mesmo”, dissei o índio Ireô.


Transcrição fornecida pelo site do programa Fantástico, da TV Globo

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